domingo, 25 de agosto de 2019

Guerra entre Caiado e Marconi tende a “legar” o poder para Baldy, Vanderlan ou Daniel Vilela

Guerra entre Caiado e Marconi tende a “legar” o poder para Baldy, Vanderlan ou Daniel Vilela

Governador parece perceber o tucano como seu principal rival para a disputa de 2022, daí o confronto frequente. Mas o eleitor pode apostar noutra alternativa
Ajustes de contas na política são históricos, quer dizer, não são recentes — sempre existiram e não vão deixar de existir. Pedro Ludovico ajustou contas com os Caiado, a partir de 1930. Em 1983, ao assumir o governo, Iris Rezende (MDB) promoveu uma campanha feroz contra o ex-governador Ary Valadão. Em 1991, de volta ao poder, Iris Rezende também articulou uma forte campanha contra o ex-governador Henrique Santillo — que não o teria ajudado a ser candidato a presidente da República (na verdade, a cúpula emedebista não queria o goiano, por não considerá-lo um líder de expressão nacional) — com o objetivo de cristalizar sua imagem como não-administrador. A partir de 1999, quando tomou posse, Marconi Perillo (PSDB) articulou a reconstrução da imagem de Santillo — inclusive dando seu nome ao Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação (Crer) — e, em contrapartida, operou a desconstrução da imagem de Iris Rezende. Quando governador, embora tenha sido eleito com o apoio do tucano, Alcides Rodrigues coordenou uma operação para demoli-lo. No momento, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), trabalha para descontruir a imagem de Marconi Perillo (e pouco cita o ex-governador José Eliton, responsável pela gestão nos últimos nove meses de 2018. Por quê? Talvez porque acredite que Eliton não tenha futuro político).

Marconi Perillo e Ronaldo Caiado: duelos verbais de hoje podem não levar a disputas eleitoral em 2022 | Foto: Reprodução
Por seu turno, Marconi Perillo rebate as acusações e critica Ronaldo Caiado. Se houve desmandos no governo anterior, como agente público, Ronaldo Caiado tem o dever de relatá-los ao Ministério Público e este tem o dever de denunciá-los à Justiça. Daquilo que a Justiça concluir, examinadas as denúncias estribadas em documentação apropriada, será possível dizer, de maneira definitiva, se o ex-governador malversou as contas públicas ou não. Se o gestor estadual, encontrando irregularidades gritantes, e não denunciá-las, estará cometendo um equívoco, e até prevaricando. Estando com o controle da máquina pública, assenhorando-se de todos os dados públicos, cabe ao administrador repassar informações fundamentadas ao MP ou, se quiser, diretamente à Justiça. Quanto a Marconi Perillo é direito seu se defender. Mais tarde, quem vai julgar os dois serão os historiadores. O melhor julgador de um político não são seus aliados e seus adversários. É a história — que avalia pela média e não pelos extremos. E não com isenção, e sim com equilíbrio — o que é possibilitado, no geral, pelo distanciamento, o que é permitido pela passagem do tempo. Julgamento excessivo — cujo objetivo é mais condenar do que compreender — é mais militância.
Posta a questão, examinemos outra. A política de comunicação de Ronaldo Caiado — sim, porque, no fundo, se trata de uma política de comunicação —, ao priorizar o confronto com o gestor anterior, o beneficia ou o prejudica? Beneficia Goiás? É provável que auxiliares do governador — um político bem-intencionado e de temperamento forte — digam que está absolutamente certo, porque é preciso apresentar uma satisfação à sociedade, sobretudo porque o governo está com imensas dificuldades financeiras. A satisfação precisa mesmo ser dada. Trata-se de respeito aos cidadãos.
Não se pode sugerir que as críticas de Ronaldo Caiado a Marconi Perillo o prejudiquem ou prejudiquem Goiás. Denunciar possível improbidade, insistamos, é legal e é legítimo. Assim como é legal e legítima a defesa de quem se sente acusado de alguma falcatrua. Mas, estritamente do ponto de vista político-eleitoral e da comunicação com a sociedade, seria possível falar em ganho ou perda para o governo e para o governador? Não se sabe ainda, mas vale especular a respeito.
Entretanto, se falar “mal” de Marconi Perillo for uma política de comunicação — ou parte dela —, pode ser um contrassenso. A crítica negativa a respeito do ex-governador “respinga”, de algum modo, em Goiás. Fica-se com a impressão, para o investidor interno e externo, de que Goiás é um Estado-caos. Se é assim, se não está sendo possível contornar os problemas, por que instalar uma indústria na região? No caso do empresário local, por que ampliar os investimentos? A mensagem, subliminar ou não, que Ronaldo Caiado está enviando é que o Estado é inviável, e é óbvio que a mensagem que está tentando repassar é outra: que o governo atual é limpo e que “não há mais negociatas”. Mas a ideia de que há uma crise incontornável está sobrepujando a ideia de que Goiás, com seus imensos recursos, é viável.
O que a comunicação de Ronaldo Caiado precisa trabalhar, para além da desconstrução do governador anterior — suja imagem já está desgastada, notadamente por causa de sua prisão e a denúncia de suposta corrupção —, é a própria imagem, tanto a do governador quanto a do governo (uma, no fundo, não é dissociada da outra). A prioridade deve ser o hoje e não o ontem. A construção da imagem positiva, mostrando aquilo que se está fazendo — e certamente já há o que mostrar —, é o que vai, de fato, inaugurar um novo tempo. A sociedade aprecia o governo ético (vale frisar que não há notícia de sequer um governo que tenha sido inteiramente “limpo”, mesmo quando o governante era “limpo”), aquele que atua dentro da lei, mas quer mais do que isto: cobra realizações objetivas. Se há realizações, urge exibi-las, com ou sem alarde (os acertos na segurança pública, com a polícia mais presente, são evidentes e a sociedade comenta a respeito). Ronaldo Caiado, por não ser um político de matiz populista, não aprecia alarido sobre o que faz. Mas comete o autoengano de fazer barulho sobre os desacertos de outrem.

Valéria Torres, secretária de Comunicação do governo Caiado, tem a missão de criar uma propaganda positiva para o governo de Caiado e para Goiás | Foto: Divulgação
A secretária de Comunicação, Valéria Torres, diz aos interlocutores que o governo projeta divulgar o que faz, e não puramente cartas de intenções e também não quer vender esperanças irrealizáveis — até porque, como disse a uma editora de jornal, a sociedade está vacinada contra promessas vãs. Ela está certa. Mas de algum modo, até por sua experiência profissional, deve dizer a Ronaldo Caiado que ele precisa falar de si e de seu governo, porque, neste momento, passa a impressão de que Marconi Perillo é o “governador negativo” e ele é o “governador positivo” — como se fossem a figura do duplo William Wilson, o personagem (ou personagens) de Edgar Allan Poe. Quer dizer, como se o Estado tivesse dois governadores — um ético e outro não. O novo governador precisa, portanto, se libertar do anterior — até para que o governo seja inteiramente seu, como decidiu o eleitor na eleição de 2018.
Recentemente, houve um desvio ético na Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego) — aparentemente denunciado por um empresário ou produtor rural de Morrinhos — e Ronaldo Caiado demitiu, de imediato, toda a diretoria. Mas permanece a dúvida: o que realmente aconteceu lá? Que Ronaldo Caiado é ético, sabe-se. Mas auxiliares seus, um deles de Anápolis — com ligação pessoal com o governador —, estariam operando um esquema supostamente corrupto na Codego. A demissão prova a lisura do governador — que não aceita corrupção —, tanto que afastou um amigo de longa data. Mas faltou transparência: não foi dito, pelo próprio governo, a razão da demissão coletiva. Ficou evidente, porém, que não há governos sem problemas. Novos desvios podem acontecer, porque a máquina pública é gigante, pantagruélica e talvez seja possível dizer que praticamente tem vida própria — desafiando tanto as políticas de correção quanto de austeridade.
A produção do novo
Iris Rezende era o novo em 1982. Marconi Perillo era o novo em 1998. Ronaldo Caiado não era mais o novo em 2018, mas derrotou o grupo de Marconi Perillo porque este, instalado no poder havia 20 anos, não empolgava mais a sociedade e, para piorar, os supostos desvios éticos — o uso da palavra “supostos” tem a ver com o fato de que os processos envolvendo o tucano e alguns de seus aliados ainda não foram julgados, e portanto não há condenados — mancharam sua reputação. Do ponto de vista dos eleitores, o grupo de Marconi Perillo “envelheceu” e, por isso, mereceu ser trocado. Ronaldo Caiado adotou o discurso ético — e sua história, neste campo, é positiva — e foi eleito no primeiro turno. Num momento de mudanças — e de hegemonia de uma sólida onda moralista —, com a Operação Lava Jato de vento em proa, denunciando e condenando corruptos, Ronaldo Caiado se tornou uma espécie de inconsciente coletivo de uma geração. Ele foi percebido, pelos eleitores, como a Lava Jato de Goiás. Talvez por isso deixe a impressão de que, ao mesmo tempo que governa, trabalha na “operação limpeza” — com críticas acerbas aos políticos do governo anterior.
Se Ronaldo Caiado fizer um governo realizador, o que será positivo para todos os goianos — e inclusive para o Brasil, porque o crescimento econômico é avaliado a partir do desempenho de todos os Estados, e não unicamente de Brasília —, pode sair consagrado e, assim, tende a ser reeleito em 2022. Entretanto, se fizer um governo só de ajustes, consertando a máquina, a possibilidade de sair desgastado não é remota. Ao mesmo tempo, dado o desgaste, dificilmente Marconi Perillo terá como voltar a disputar o governo em 2022.
Sem Marconi Perillo, que certamente não limpará sua imagem até 2022 — novos processos judiciais poderão surgir —, e com Ronaldo Caiado possivelmente desgastado, por causa do enxugamento da máquina estatal e da redução de investimentos, o que acontecerá?
Possivelmente, e é preciso postular no condicional — porque a bola de cristal de um jornal é a razão —, o desgaste de Marconi Perillo e de Ronaldo Caiado — claro que se este chegar desgastado em 2022 — pode produzir nomes novos na política de Goiás. O raciocínio pode ser mais ou menos este: “Tiramos Marconi Perillo, por causa das irregularidades, e vamos tirar Ronaldo Caiado, porque não melhorou Goiás”. Ressalve-se que, se enxugar o governo e os investimentos forem retomados — com obras de qualidade e mais baratas (porque sem corrupção) —, Ronaldo Caiado pode sair consagrado. Não se deve desprezar a hipótese. O governador pode não ser experimentado em gestão pública, mas é um político experiente e mantém contato estreito com o governo do presidente Jair Bolsonaro. Apostar no seu fracasso, depois de apenas oito meses de governo, pode não ser inteligente. Pode ser que consiga ajustar a máquina, e é o que está fazendo, e, no final, o governo deslanche.
Mas, não se deslanchar, os eleitores poderão “esquecer” Ronaldo Caiado — assim como “esqueceram” Marconi Perillo e José Eliton, em 2018 — e apostar noutros nomes.
No momento, quais são as alternativas a Marconi Perillo e a Ronaldo Caiado? No grupo do primeiro, não há nenhum nome, e é preciso considerar que o tucano não é, da perspectiva atual, uma alternativa factível. No grupo de Ronaldo Caiado, ainda bem avaliado pelos eleitores — seu capital ético é, sem dúvida, sólido —, também não há alternativas. Se o governo for bem, o nome para a disputa será, evidentemente, o do próprio Ronaldo Caiado.

Alexandre Baldy e Daniel Vilela: juntos ou separados, podem ser alternativas para a disputa eleitoral de 2022, daqui a três anos | Foto: Divulgação
As alternativas reais, a partir do quadro atual, são Daniel Vilela, do MDB, o ex-ministro Alexandre Baldy e o senador Vanderlan Cardoso, ambos do Progressistas. Poderão surgir outros? Sim, é possível. Porque, em termos políticos, o futuro nem a Deus pertence. Há políticos consagrando-se como prefeitos — como Roberto Naves, de Anápolis, Jânio Darrot, de Trindade, e Gustavo Mendanha, de Aparecida de Goiânia. Os três têm a imagem consolidada de gestores competentes e hábeis articuladores políticos. Há também o presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira, que está se revelando hábil articulador político.
Daniel Vilela é jovem, preside o MDB de Goiás e articula com desenvoltura. Tanto pode disputar o governo quanto o Senado em 2022. Se o pai, Maguito Vilela, for candidato a prefeito de Goiânia, especialmente se for eleito, então a tendência é que dispute o Senado. Frise-se que planeja disputar o governo.

Vanderlan Cardoso, senador: uma alternativa como gestor | Foto: Reprodução
Alexandre Baldy foi ministro das Cidades e é secretário de Transportes Metropolitanos do governo de São Paulo. Na eleição passada, aliado de Daniel Vilela, que disputou o governo, contribuiu para eleger um deputado federal, Adriano do Baldy, e um senador, Vanderlan Cardoso. Ligado ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), se tornou, mesmo sem mandato, um político nacional. O motivo é que articula politicamente com habilidade e, como gestor — ministro e, agora, secretário —, mostra eficiência. Em 2022, pode ser candidato a governador de Goiás ou a senador. Com menos de 40 anos, dialoga tanto com o MDB de Daniel e Maguito Vilela quanto, ultimamente, por intermédio de mediação de Rodrigo Maia, com Ronaldo Caiado.

Jânio Darrot (PSDB), de Trindade, Roberto Naves (PTB), de Anápolis, e Gustavo Mendanha (MDB), de Aparecida de Goiânia, são prefeitos que têm futuro político | foto: Jornal Opção
Por que a articulação dupla de Baldy? Porque, se Ronaldo Caiado não for uma alternativa forte em 2022, a tendência é que surjam dois candidatos de oposição. Quais? Talvez Daniel Vilela e Alexandre Baldy, que, de aliados, se tornariam adversários. Trata-se, evidentemente, de especulação sobre o que pode acontecer. No momento, apesar da relativa aproximação com Ronaldo Caiado — porque no fundo Rodrigo Maia opera um acordão nacional para bancar João Doria para presidente da República em 2022, com o possível apoio do DEM —, Baldy e Vanderlan Cardoso permanecem como aliados de Daniel Vilela. Frise-se, porém, que a aposta do Progressistas é tanto nacional quanto local.
A terceira alternativa é Vanderlan Cardoso. Ele tem vontade de governar Goiás e, se disputar e perder em 2022, não perde praticamente nada, pois continuará senador. Num quadro de crise — talvez crise de gestão e, dada sua imagem, de gestor (é empresário bem-sucedido e foi excelente prefeito em Senador Canedo — assim como Maguito Vilela em Aparecida de Goiânia) —, pode se apresentar como a alternativa que sabe como retirar Goiás da letargia. No entanto, se Ronaldo Caiado ajustar a máquina, aí deixa de ser uma alternativa.

Lissauer Vieira, presidente da Assembleia Legislativa e representante do Sudoeste, uma das regiões mais prósperas de Goiás | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
A beleza salvará o mundo
O escritor russo Fiódor Dostoiévski, autor de dois romances formidáveis, “Crime e Castigo” e os “Irmãos Karamázov”, escreveu que a beleza salvará o mundo. Talvez seja só uma frase de efeito, mas o belo tem seu lugar no mundo, porque o melhora, o torna mais alegre e leve. Torna as agruras mais suportáveis.
Portanto, em termos de Goiás, cabe a Ronaldo Caiado, um político de rara decência pessoal, não apostar apenas no “feio” — na denúncia do “erro” —, mas sobretudo priorizar o “belo”, o acerto, inclusive o seu.
Pelo discurso atual, o governador está sugerindo que seu grande adversário será Marconi Perillo, por isso o convoca, como se fosse uma cola-tudo, para o debate, para o enfrentamento. Mas a surpresa pode ser outra: ao contribuir para a destruição de Marconi Perillo, cuja imagem hoje não é positiva, Ronaldo Caiado pode estar contribuindo para a formatação de um político novo — que, sim, está surgindo. Citamos três, mas outros poderão aparecer.
O conflito entre Ronaldo Caiado e Marconi Perillo pode provocar o nascimento do novo, da alternativa aos dois.
Um pouco de história

Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek: grandes políticos que não perceberam a nuance da história | Foto:Reprodução
Os civis, de centro e de direita, pareciam ter certeza que disputariam a sucessão de João Goulart. Juscelino Kubitschek, que havia sido presidente, se preparava para a nova disputa, em 1965, e era apontado como favorito. O político mineiro pertencia ao PSD. A direita, instalada na UDN, tinha em Carlos Lacerda o nome para a disputa.
JK não se movimentou, ao menos não de maneira ampla, para tentar “salvar” Jango em 1964 — e talvez não fosse mesmo possível salvá-lo.
Carlos Lacerda patrocinou o golpe apostando que, em seguida, os militares entregariam o poder aos civis — quer dizer, a ele, que havia sido governador, eficiente, da Guanabara.
Mas Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda compreenderam mal o desenrolar da história. Os tenentes que haviam se tornado generais em 1964 — alguns deles da década de 1930, quando contribuíram para pôr Getúlio Vargas no poder — não haviam derrubado o presidente da República para, em seguida, entregar o poder aos civis, mesmo se aliados. Logo depois, JK — senador por Goiás, chegou a apoiar o general Castello Branco para presidente — e Lacerda foram cassados. A história tomou caminhos que os dois, águias da política, não haviam captado.
A história às vezes atropela aqueles que pensam que, vendo a árvore, percebem toda a floresta.

Fonte:Jornal Opção

Nenhum comentário:

Postar um comentário