Governador parece perceber o tucano como seu principal rival para a disputa de 2022, daí o confronto frequente. Mas o eleitor pode apostar noutra alternativa
Ajustes de contas na política são históricos, quer dizer, não são recentes — sempre existiram e não vão deixar de existir. Pedro Ludovico ajustou contas com os Caiado, a partir de 1930. Em 1983, ao assumir o governo, Iris Rezende (MDB) promoveu uma campanha feroz contra o ex-governador Ary Valadão. Em 1991, de volta ao poder, Iris Rezende também articulou uma forte campanha contra o ex-governador Henrique Santillo — que não o teria ajudado a ser candidato a presidente da República (na verdade, a cúpula emedebista não queria o goiano, por não considerá-lo um líder de expressão nacional) — com o objetivo de cristalizar sua imagem como não-administrador. A partir de 1999, quando tomou posse, Marconi Perillo (PSDB) articulou a reconstrução da imagem de Santillo — inclusive dando seu nome ao Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação (Crer) — e, em contrapartida, operou a desconstrução da imagem de Iris Rezende. Quando governador, embora tenha sido eleito com o apoio do tucano, Alcides Rodrigues coordenou uma operação para demoli-lo. No momento, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), trabalha para descontruir a imagem de Marconi Perillo (e pouco cita o ex-governador José Eliton, responsável pela gestão nos últimos nove meses de 2018. Por quê? Talvez porque acredite que Eliton não tenha futuro político).
Por seu turno, Marconi Perillo rebate as acusações e critica Ronaldo Caiado. Se houve desmandos no governo anterior, como agente público, Ronaldo Caiado tem o dever de relatá-los ao Ministério Público e este tem o dever de denunciá-los à Justiça. Daquilo que a Justiça concluir, examinadas as denúncias estribadas em documentação apropriada, será possível dizer, de maneira definitiva, se o ex-governador malversou as contas públicas ou não. Se o gestor estadual, encontrando irregularidades gritantes, e não denunciá-las, estará cometendo um equívoco, e até prevaricando. Estando com o controle da máquina pública, assenhorando-se de todos os dados públicos, cabe ao administrador repassar informações fundamentadas ao MP ou, se quiser, diretamente à Justiça. Quanto a Marconi Perillo é direito seu se defender. Mais tarde, quem vai julgar os dois serão os historiadores. O melhor julgador de um político não são seus aliados e seus adversários. É a história — que avalia pela média e não pelos extremos. E não com isenção, e sim com equilíbrio — o que é possibilitado, no geral, pelo distanciamento, o que é permitido pela passagem do tempo. Julgamento excessivo — cujo objetivo é mais condenar do que compreender — é mais militância.
Posta a questão, examinemos outra. A política de comunicação de Ronaldo Caiado — sim, porque, no fundo, se trata de uma política de comunicação —, ao priorizar o confronto com o gestor anterior, o beneficia ou o prejudica? Beneficia Goiás? É provável que auxiliares do governador — um político bem-intencionado e de temperamento forte — digam que está absolutamente certo, porque é preciso apresentar uma satisfação à sociedade, sobretudo porque o governo está com imensas dificuldades financeiras. A satisfação precisa mesmo ser dada. Trata-se de respeito aos cidadãos.
Não se pode sugerir que as críticas de Ronaldo Caiado a Marconi Perillo o prejudiquem ou prejudiquem Goiás. Denunciar possível improbidade, insistamos, é legal e é legítimo. Assim como é legal e legítima a defesa de quem se sente acusado de alguma falcatrua. Mas, estritamente do ponto de vista político-eleitoral e da comunicação com a sociedade, seria possível falar em ganho ou perda para o governo e para o governador? Não se sabe ainda, mas vale especular a respeito.
Entretanto, se falar “mal” de Marconi Perillo for uma política de comunicação — ou parte dela —, pode ser um contrassenso. A crítica negativa a respeito do ex-governador “respinga”, de algum modo, em Goiás. Fica-se com a impressão, para o investidor interno e externo, de que Goiás é um Estado-caos. Se é assim, se não está sendo possível contornar os problemas, por que instalar uma indústria na região? No caso do empresário local, por que ampliar os investimentos? A mensagem, subliminar ou não, que Ronaldo Caiado está enviando é que o Estado é inviável, e é óbvio que a mensagem que está tentando repassar é outra: que o governo atual é limpo e que “não há mais negociatas”. Mas a ideia de que há uma crise incontornável está sobrepujando a ideia de que Goiás, com seus imensos recursos, é viável.
O que a comunicação de Ronaldo Caiado precisa trabalhar, para além da desconstrução do governador anterior — suja imagem já está desgastada, notadamente por causa de sua prisão e a denúncia de suposta corrupção —, é a própria imagem, tanto a do governador quanto a do governo (uma, no fundo, não é dissociada da outra). A prioridade deve ser o hoje e não o ontem. A construção da imagem positiva, mostrando aquilo que se está fazendo — e certamente já há o que mostrar —, é o que vai, de fato, inaugurar um novo tempo. A sociedade aprecia o governo ético (vale frisar que não há notícia de sequer um governo que tenha sido inteiramente “limpo”, mesmo quando o governante era “limpo”), aquele que atua dentro da lei, mas quer mais do que isto: cobra realizações objetivas. Se há realizações, urge exibi-las, com ou sem alarde (os acertos na segurança pública, com a polícia mais presente, são evidentes e a sociedade comenta a respeito). Ronaldo Caiado, por não ser um político de matiz populista, não aprecia alarido sobre o que faz. Mas comete o autoengano de fazer barulho sobre os desacertos de outrem.
A secretária de Comunicação, Valéria Torres, diz aos interlocutores que o governo projeta divulgar o que faz, e não puramente cartas de intenções e também não quer vender esperanças irrealizáveis — até porque, como disse a uma editora de jornal, a sociedade está vacinada contra promessas vãs. Ela está certa. Mas de algum modo, até por sua experiência profissional, deve dizer a Ronaldo Caiado que ele precisa falar de si e de seu governo, porque, neste momento, passa a impressão de que Marconi Perillo é o “governador negativo” e ele é o “governador positivo” — como se fossem a figura do duplo William Wilson, o personagem (ou personagens) de Edgar Allan Poe. Quer dizer, como se o Estado tivesse dois governadores — um ético e outro não. O novo governador precisa, portanto, se libertar do anterior — até para que o governo seja inteiramente seu, como decidiu o eleitor na eleição de 2018.
Recentemente, houve um desvio ético na Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego) — aparentemente denunciado por um empresário ou produtor rural de Morrinhos — e Ronaldo Caiado demitiu, de imediato, toda a diretoria. Mas permanece a dúvida: o que realmente aconteceu lá? Que Ronaldo Caiado é ético, sabe-se. Mas auxiliares seus, um deles de Anápolis — com ligação pessoal com o governador —, estariam operando um esquema supostamente corrupto na Codego. A demissão prova a lisura do governador — que não aceita corrupção —, tanto que afastou um amigo de longa data. Mas faltou transparência: não foi dito, pelo próprio governo, a razão da demissão coletiva. Ficou evidente, porém, que não há governos sem problemas. Novos desvios podem acontecer, porque a máquina pública é gigante, pantagruélica e talvez seja possível dizer que praticamente tem vida própria — desafiando tanto as políticas de correção quanto de austeridade.
A produção do novo
Iris Rezende era o novo em 1982. Marconi Perillo era o novo em 1998. Ronaldo Caiado não era mais o novo em 2018, mas derrotou o grupo de Marconi Perillo porque este, instalado no poder havia 20 anos, não empolgava mais a sociedade e, para piorar, os supostos desvios éticos — o uso da palavra “supostos” tem a ver com o fato de que os processos envolvendo o tucano e alguns de seus aliados ainda não foram julgados, e portanto não há condenados — mancharam sua reputação. Do ponto de vista dos eleitores, o grupo de Marconi Perillo “envelheceu” e, por isso, mereceu ser trocado. Ronaldo Caiado adotou o discurso ético — e sua história, neste campo, é positiva — e foi eleito no primeiro turno. Num momento de mudanças — e de hegemonia de uma sólida onda moralista —, com a Operação Lava Jato de vento em proa, denunciando e condenando corruptos, Ronaldo Caiado se tornou uma espécie de inconsciente coletivo de uma geração. Ele foi percebido, pelos eleitores, como a Lava Jato de Goiás. Talvez por isso deixe a impressão de que, ao mesmo tempo que governa, trabalha na “operação limpeza” — com críticas acerbas aos políticos do governo anterior.
Se Ronaldo Caiado fizer um governo realizador, o que será positivo para todos os goianos — e inclusive para o Brasil, porque o crescimento econômico é avaliado a partir do desempenho de todos os Estados, e não unicamente de Brasília —, pode sair consagrado e, assim, tende a ser reeleito em 2022. Entretanto, se fizer um governo só de ajustes, consertando a máquina, a possibilidade de sair desgastado não é remota. Ao mesmo tempo, dado o desgaste, dificilmente Marconi Perillo terá como voltar a disputar o governo em 2022.
Sem Marconi Perillo, que certamente não limpará sua imagem até 2022 — novos processos judiciais poderão surgir —, e com Ronaldo Caiado possivelmente desgastado, por causa do enxugamento da máquina estatal e da redução de investimentos, o que acontecerá?
Possivelmente, e é preciso postular no condicional — porque a bola de cristal de um jornal é a razão —, o desgaste de Marconi Perillo e de Ronaldo Caiado — claro que se este chegar desgastado em 2022 — pode produzir nomes novos na política de Goiás. O raciocínio pode ser mais ou menos este: “Tiramos Marconi Perillo, por causa das irregularidades, e vamos tirar Ronaldo Caiado, porque não melhorou Goiás”. Ressalve-se que, se enxugar o governo e os investimentos forem retomados — com obras de qualidade e mais baratas (porque sem corrupção) —, Ronaldo Caiado pode sair consagrado. Não se deve desprezar a hipótese. O governador pode não ser experimentado em gestão pública, mas é um político experiente e mantém contato estreito com o governo do presidente Jair Bolsonaro. Apostar no seu fracasso, depois de apenas oito meses de governo, pode não ser inteligente. Pode ser que consiga ajustar a máquina, e é o que está fazendo, e, no final, o governo deslanche.
Mas, não se deslanchar, os eleitores poderão “esquecer” Ronaldo Caiado — assim como “esqueceram” Marconi Perillo e José Eliton, em 2018 — e apostar noutros nomes.
No momento, quais são as alternativas a Marconi Perillo e a Ronaldo Caiado? No grupo do primeiro, não há nenhum nome, e é preciso considerar que o tucano não é, da perspectiva atual, uma alternativa factível. No grupo de Ronaldo Caiado, ainda bem avaliado pelos eleitores — seu capital ético é, sem dúvida, sólido —, também não há alternativas. Se o governo for bem, o nome para a disputa será, evidentemente, o do próprio Ronaldo Caiado.
As alternativas reais, a partir do quadro atual, são Daniel Vilela, do MDB, o ex-ministro Alexandre Baldy e o senador Vanderlan Cardoso, ambos do Progressistas. Poderão surgir outros? Sim, é possível. Porque, em termos políticos, o futuro nem a Deus pertence. Há políticos consagrando-se como prefeitos — como Roberto Naves, de Anápolis, Jânio Darrot, de Trindade, e Gustavo Mendanha, de Aparecida de Goiânia. Os três têm a imagem consolidada de gestores competentes e hábeis articuladores políticos. Há também o presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira, que está se revelando hábil articulador político.
Daniel Vilela é jovem, preside o MDB de Goiás e articula com desenvoltura. Tanto pode disputar o governo quanto o Senado em 2022. Se o pai, Maguito Vilela, for candidato a prefeito de Goiânia, especialmente se for eleito, então a tendência é que dispute o Senado. Frise-se que planeja disputar o governo.
Alexandre Baldy foi ministro das Cidades e é secretário de Transportes Metropolitanos do governo de São Paulo. Na eleição passada, aliado de Daniel Vilela, que disputou o governo, contribuiu para eleger um deputado federal, Adriano do Baldy, e um senador, Vanderlan Cardoso. Ligado ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), se tornou, mesmo sem mandato, um político nacional. O motivo é que articula politicamente com habilidade e, como gestor — ministro e, agora, secretário —, mostra eficiência. Em 2022, pode ser candidato a governador de Goiás ou a senador. Com menos de 40 anos, dialoga tanto com o MDB de Daniel e Maguito Vilela quanto, ultimamente, por intermédio de mediação de Rodrigo Maia, com Ronaldo Caiado.
Por que a articulação dupla de Baldy? Porque, se Ronaldo Caiado não for uma alternativa forte em 2022, a tendência é que surjam dois candidatos de oposição. Quais? Talvez Daniel Vilela e Alexandre Baldy, que, de aliados, se tornariam adversários. Trata-se, evidentemente, de especulação sobre o que pode acontecer. No momento, apesar da relativa aproximação com Ronaldo Caiado — porque no fundo Rodrigo Maia opera um acordão nacional para bancar João Doria para presidente da República em 2022, com o possível apoio do DEM —, Baldy e Vanderlan Cardoso permanecem como aliados de Daniel Vilela. Frise-se, porém, que a aposta do Progressistas é tanto nacional quanto local.
A terceira alternativa é Vanderlan Cardoso. Ele tem vontade de governar Goiás e, se disputar e perder em 2022, não perde praticamente nada, pois continuará senador. Num quadro de crise — talvez crise de gestão e, dada sua imagem, de gestor (é empresário bem-sucedido e foi excelente prefeito em Senador Canedo — assim como Maguito Vilela em Aparecida de Goiânia) —, pode se apresentar como a alternativa que sabe como retirar Goiás da letargia. No entanto, se Ronaldo Caiado ajustar a máquina, aí deixa de ser uma alternativa.
A beleza salvará o mundo
O escritor russo Fiódor Dostoiévski, autor de dois romances formidáveis, “Crime e Castigo” e os “Irmãos Karamázov”, escreveu que a beleza salvará o mundo. Talvez seja só uma frase de efeito, mas o belo tem seu lugar no mundo, porque o melhora, o torna mais alegre e leve. Torna as agruras mais suportáveis.
Portanto, em termos de Goiás, cabe a Ronaldo Caiado, um político de rara decência pessoal, não apostar apenas no “feio” — na denúncia do “erro” —, mas sobretudo priorizar o “belo”, o acerto, inclusive o seu.
Pelo discurso atual, o governador está sugerindo que seu grande adversário será Marconi Perillo, por isso o convoca, como se fosse uma cola-tudo, para o debate, para o enfrentamento. Mas a surpresa pode ser outra: ao contribuir para a destruição de Marconi Perillo, cuja imagem hoje não é positiva, Ronaldo Caiado pode estar contribuindo para a formatação de um político novo — que, sim, está surgindo. Citamos três, mas outros poderão aparecer.
O conflito entre Ronaldo Caiado e Marconi Perillo pode provocar o nascimento do novo, da alternativa aos dois.
Um pouco de história
Os civis, de centro e de direita, pareciam ter certeza que disputariam a sucessão de João Goulart. Juscelino Kubitschek, que havia sido presidente, se preparava para a nova disputa, em 1965, e era apontado como favorito. O político mineiro pertencia ao PSD. A direita, instalada na UDN, tinha em Carlos Lacerda o nome para a disputa.
JK não se movimentou, ao menos não de maneira ampla, para tentar “salvar” Jango em 1964 — e talvez não fosse mesmo possível salvá-lo.
Carlos Lacerda patrocinou o golpe apostando que, em seguida, os militares entregariam o poder aos civis — quer dizer, a ele, que havia sido governador, eficiente, da Guanabara.
Mas Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda compreenderam mal o desenrolar da história. Os tenentes que haviam se tornado generais em 1964 — alguns deles da década de 1930, quando contribuíram para pôr Getúlio Vargas no poder — não haviam derrubado o presidente da República para, em seguida, entregar o poder aos civis, mesmo se aliados. Logo depois, JK — senador por Goiás, chegou a apoiar o general Castello Branco para presidente — e Lacerda foram cassados. A história tomou caminhos que os dois, águias da política, não haviam captado.
A história às vezes atropela aqueles que pensam que, vendo a árvore, percebem toda a floresta.
Fonte:Jornal Opção
Nenhum comentário:
Postar um comentário