segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Financiamento da educação-- Fundo que financia a educação termina em 2020 e Congresso prepara mudanças

Criado em 2006, Fundeb precisa ser remodelado ainda este ano para não ser extinto. Entenda o que mudará com as propostas em tramitação
educação protestos
Manifestação do dia 30 de maio mostra cobrança popular por educação | Foto: Reprodução | Facebook



O Brasil investe 5,4% de seu PIB na educação, segundo o relatório Education at a Glance. Os R$ 300 bilhões totais correspondem a mais do que a maioria dos países desenvolvidos da OCDE investe. Entretanto, a estatística muda de significado quando se inclui na equação a quantidade de alunos. Enquanto no Brasil o investimento médio em um aluno ao longo de um ano (Valor Aluno/Ano, VAA) foi de U$ 3.800 em 2014, os países da OCDE investiram em média US$ 8.733. 
Como o Brasil é um país com educação desigual, tanto no investimento quanto na qualidade, foi criado em 2006 um sistema para repassar investimentos às redes locais de ensino de acordo com suas necessidades. Do total, R$ 254.250.000 foram investidos na educação pública em 2019 por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). 
Segundo estudo do movimento Todos pela Educação (TPE), isso significa que 86% dos municípios brasileiros têm metade de seus gastos com educação custeados pelo Fundeb. Em quase um quinto das cidades brasileiras 80% da verba da educação é repassada pelo fundo. Apesar de ser fundamental, o Fundeb foi criado com uma data de validade que se assoma assustadoramente próxima: ano que vem. O consenso é de que a educação básica não pode ser concebida sem o programa. Diversas propostas correm Câmara e Senado para reformulá-la, mas sua aprovação precisa ocorrer ainda neste ano. 
Análise Fundo educação
Ministro da Educação Weintraub sinalizou aumento para 15% da complementação | Foto: Agência Brasil – EBC

Como funciona o Fundeb

Em 1996, o então Ministro da Educação Paulo Renato Souza criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Até então, a educação era custeada inteiramente pelos Estados. Prefeituras eventualmente contribuíam com merenda, transporte, gás, mas não tinham redes próprias. Quando a iniciativa foi implementada, em 1998, um quarto dos impostos estaduais e municipais foi destinado a um caixa comum e retornou aos municípios proporcionalmente à quantidade de alunos de suas redes.
Raquel Teixeira era presidente do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed) durante a mudança e explica que o Fundef revolucionou a educação, mas não foi perfeito. A ex-secretária de Educação de Goiás ajudou a reformular o fundo para incluir pré-escola, ensino médio, creches, educação especial e toda a educação básica de forma geral, levando em consideração os diferentes custos que os alunos de diferentes alunos apresentam. O remodelamento foi chamado de Fundeb e foi criado em 2006 com data de vencimento para 2020. 
Na prática, funciona da seguinte maneira: parte dos impostos estaduais e municipais são destinados a um caixa; a Portaria Interministerial do Ministério da Educação e do Ministério da Fazenda calcula o investimento médio a ser feito por aluno ao longo de um ano (VAA, que é estimado em R$ 3.238,52 em 2019); o valor correspondente aos alunos matriculados é repassado às redes de ensino, considerando-se o valor de ponderação – por exemplo, o repasse é 30% maior em relação ao VAA para alunos de ensino fundamental em tempo integral; creches em tempo parcial conveniadas têm repasse 20% a menor.
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Raquel Teixeira participou da criação do Fundo como presidente do Consed | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Além disso, 10% do valor total do fundo deve ser complementado pela União e repassado aos estados que menos receberam. Os nove estados que receberam complementações federais em 2018 foram: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí; exatamente estados onde as redes de ensino são consideradas frágeis. A verba pode ser utilizada para remunerar funcionários, custear transporte escolar, adquirir material didático, realizar manutenção das escolas. 

Imperfeito

Raquel Teixeira explica que uma das principais conquistas do sistema foi direcionar 60% do fundo para valorização do professor, ou seja, pagamento de salários. Antes do mecanismo, o piso salarial do magistério era pouco respeitado. “As redes se fortaleceram, foi a política adequada na época. Fizemos investimento em qualificação, surgiram cursos para formação continuada e capacitação de profissionais, tudo isso por conta do Fundeb. Mas hoje está exaurido, tem de ser repensado para demandas atuais. Por exemplo, Goiás gasta 100% do Fundeb com pagamento de salários e não consegue pagar a folha”.
Enquanto o percentual de impostos vinculados ao Fundeb continua o mesmo (25%), o bolo diminuiu. Desde o começo dos anos 2000, se criaram muito menos impostos do que  “contribuições”. Essa definição é uma forma esperta de enquadrar os tributos fora de vinculações, permitindo maior discricionariedade no uso da verba coletada. 
Além desta defasagem, Raquel Teixeira lembra outro aspecto que pode ser melhorado: “Goiás não recebe um tostão; os 10% da participação da União favorecem Estados que na média estão piores do que nós. Mas existem municípios carentes em Goiás também”. Segundo ela, este problema deve ser resolvido através de duas atualizações. Primeiro, acabar a distribuição por estado em troca de uma distribuição direta aos municípios, independentemente do ente federativo a que pertencem. E, além disso, aumentar a porcentagem de participação da União – o principal ponto de discórdia entre propostas.

Corrida das propostas

Proposta Fundo educação
Diversos parlamentares propuseram perenizar o Fundeb. Kajuru foi apoiado por Bolsonaro | Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Tramitam diversas propostas para renovação do Fundeb. No Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (Pec) 33/2019, de Jorge Kajuru (PSB-GO), concorre com a Pec 65/2019, de Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Ambas buscam tornar o Fundeb permanente e ampliar a cesta de recursos que compõem o fundo. Kajuru defende aumentar a participação da união para 30%; já Rodrigues, para 40%. A proposta de Jorge Kajuru, inclusive, já recebeu apoio do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Entretanto, os projetos são semelhantes – propõem a perenização do Fundeb e a substituição do VAA para o custo-aluno-qualidade (CAQ).
O CAQ é um índice criado na Campanha Nacional pelo Direito à Educação de 2002, que leva em consideração muitas investimentos associados à qualidade da educação (tamanho das turmas, laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas cobertas, materiais didáticos, entre outros). Diversas outras propostas que circulam no Congresso usam o CAQ como base de cálculo por aluno. Entre elas, a mais avançada em tramitação é a da deputada federal Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), a Pec 15/2015. Seu projeto aglutina diversas propostas debatidas em 44 audiências públicas das comissões técnica e especial formadas para discutir o futuro do Fundeb. 
Deputada Professora Dorinha aglutina propostas para o Fundeb em sua Pec desde 2015 | Foto: Alex Ferreira/ Câmara dos Deputados
Em entrevista ao Jornal Opção, a deputada Dorinha Rezende afirma que o projeto de 2019 do senador Jorge Kajuru é semelhante ao seu. Ela explica: “Tenho andado o país inteiro defendendo esse projeto, de 2015. Tenho documentos do governo, já finalizei diálogos participativos junto com Ministério da Educação e da Economia. Os projetos dos senadores são de 2019”. Dorinha Rezende ressalta que apenas sua PEC 15/2015 prevê distribuição às redes sem importar o Estado. Ela destaca ainda que o projeto tem de ser aprovado com urgência para que o Fundeb não deixe de existir.
“Nossa proposta sai dos 10% de participação da União hoje, aumenta a 15% no ano que vem e vai para 30% de complementação federal em dez anos”, explica a deputada Dorinha Rezende. “O Ministério da Educação já sinalizou formalmente a constitucionalização de 15% da complementação. Além disso, em nosso modelo, chegaremos a municípios e estados mais pobres, corrigindo desigualdades de mais de 40 anos. Nossa expectativa é votar em agosto ou setembro na Câmara, e aí tem de ir ao Senado e ser votado ainda neste ano para entrar em vigência no ano que vem, quando o atual Fundeb terá fim”. 

Livre de Críticas

Sobre a competição entre projetos para a continuação do Fundeb, o presidente do instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira, explica que a concorrência é normal. O especialista em educação que tem organizado seminários públicos a respeito do tema e explica que, como não existe quem conceba a educação pública sem Fundeb, a pauta tornou-se uma “aposta certa” e, por isso, correm à margem grupos que querem se vincular a quem acreditam que passará suas ideias, “algumas delas sem exequibilidade alguma”
Presidente do Instituto Alfa e Beto publicou ressalvas ao Fundeb | Foto: Portal da Câmara dos Deputados
João Batista Oliveira enumera como exemplo as propostas de aumento da participação da União para 50% do fundo. “É pouco realista pensar que teremos esse recurso para alocar em momento de crise. A realidade vai se impor a lei. Me parece tentativa de agradar a interesses corporativos e uma ideologia forte de que mais dinheiro vai resolver qualquer coisa. Não está havendo debate racional sobre o tema, não se fala em cobrar eficiência”. 
O estudioso tem ressalvas quanto ao mérito do Fundeb que afirma não serem ouvidas, apesar de terem sido publicadas. “As pessoas se desacostumaram a debater civilizadamente nesse clima polarizado. Temos publicações que mostram que o Fundeb reduziu desigualdades nos municípios, mas não melhorou eficiência do ensino. A qualidade ainda é muito ruim, embora os recursos tenham aumentado. Se alguém tentar argumentar nesse sentido, é um pecado mortal”.

Livre mercado versus Estado

João Batista Oliveira defende que, para transformar financiamento em qualidade de ensino durante a crise é preciso oferecer incentivos para fazer mais com menos. Segundo ele, como redes pequenas e ineficientes têm financiamento garantido independentemente de resultados, não há recompensas para o sucesso. “O primeiro passo é reduzir as obrigações e deixar o gestor alocar recursos da forma necessária. A vinculação de recursos é uma amarração ao gestor que tem mais chance de criar ineficiência do que eficiência. Quando se congela um determinado valor, você perde poder de decisão, dinamismo. Não faz sentido a não ser em caráter transitório”.
Raquel Teixeira, favorável ao Fundeb e preocupada com o cumprimento dos prazos para sua reformulação, responde a crítica da vinculação: “Se dependesse do [Ministro da Economia] Guedes, desvinculava tudo – nem saúde, nem educação, nem segurança, nem nada. É o livre mercado e eu não combato isso necessariamente. O que eu acho é que, como começamos a investir muito tarde na educação básica, como estamos defasados em relação ao resto do mundo, e como o século XXI é o século da tecnologia, precisamos de políticas públicas”. 
“Em todos os países onde houve salto de IDH, Finlândia, Coréia, houve uma decisão política de um líder forte e a participação da sociedade. A gente não vê participação de nossa sociedade ainda em termos de qualidade. Se não canalizamos verba aos mais frágeis, iremos penalizá-los exatamente porque não vão valorizar a educação, não vão ter os números para discutir como melhorar sua condição. Todas as pesquisas mostram que investimento em educação infantil significa retorno em todas as outras áreas; economiza-se em saúde porque população escolarizada consome menos drogas, tem mais segurança pública, etc. Não temos uma população com acesso a dados para deixarmos na mão apenas das pessoas essa cobrança”, conclui a ex-secretária.

Fonte:Jornal Opção

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