quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Servidores devem negociar com novo governo para não perder benefícios

Funcionários do Executivo têm consciência da necessidade de ajuste das contas públicas, mas não aceitam abrir mão de reajustes já acertados, diante da sanção do aumento dos ministros do STF. Concordam com mudanças na Previdência, porém não nos moldes apresentados


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Adriana Barbosa, da Anatel, tem certeza de que perderá direitos com uma possível reforma previdenciária(foto: Barbara Cabral/Esp.CB/DA.Press)


A relação entre o governo que se inicia em janeiro e os funcionários públicos não será fácil. Apesar de tantas incógnitas quanto às propostas da nova administração, já se sabe que uma prioridade é reduzir o montante de gastos com pessoal, por duas razões simples. A primeira, é o viés liberal do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que recebeu praticamente carta branca do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para gerir a área. Ele defende a redução do tamanho do Estado para turbinar o crescimento econômico, o que ficou claro no título do programa de governo durante a campanha eleitoral: “Mais Brasil, menos Brasília”.

A outra razão para conter os gastos com pessoal é que qualquer presidente tenderia a fazer isso. Não há alternativa diante dos impasses fiscais que o país enfrenta. A União não consegue sequer economizar para pagar juros desde 2014, e continuará assim por um bom tempo, fazendo com que a dívida pública não pare de crescer. É preciso mexer tanto na Previdência quanto na estrutura da máquina. Os servidores públicos tiveram aumentos generosos, acima da inflação, nos governos petistas. Será difícil continuar assim, ou mesmo manter a remuneração no patamar atual, com reajustes pela inflação.
Os servidores pretendem resistir. Não querem partir do pressuposto de que cabe a eles o sacrifício para o ajuste das contas. Mas isso não quer dizer que estão irredutíveis. Nas entidades sindicais, há consciência do tamanho do problema fiscal e da necessidade de busca de uma solução. Estão, portanto, dispostos a conversar e negociar. O problema é que não abrem mão de manter os acordos salariais acertados e os privilégios.

Os servidores admitem que o ajuste das contas é necessário e a reforma da Previdência tem que acontecer, mas não nos moldes propostos pelo atual e pelo novo governo. E continuam defendendo pautas históricas como cumprimento dos acordos assinados em 2015. Reajuste de, no mínimo, 50% da contribuição da União para o plano de saúde dos servidores. Política salarial permanente com correção das distorções e reposição das perdas inflacionárias. Data-base em primeiro maio. Direito irrestrito de greve e negociação coletiva no serviço público, com base na Convenção 151 da OIT, entre outras.

A sanção do aumento de 16,38% para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem efeito cascata em todo Poder Judiciário e no Ministério Público, reforça a intenção dos servidores do Executivo de forçar a porta do cofre. A possibilidade de aumento dos soldos de militares pelo presidente eleito também faz com que os funcionários públicos federais tentem, pelo menos, manter os acordos de 2015.

Para Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), as políticas de austeridade, focadas em sucessivos cortes de despesa, venda de patrimônio público e flexibilização de direitos, produziram o efeito oposto ao propalado ajuste. “Houve a pior recuperação da história econômica brasileira, desemprego elevado, mais pobreza e mais violência, além de desorganização das políticas públicas e dos serviços à população”. Marques considera que a acusação de que os servidores são os vilões da Previdência é um equívoco.

Nas ruas, servidores estão divididos. Adriana Costa Barbosa, 35 anos, funcionária da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), disse que não está satisfeita com o que imagina que acontecerá. “Essa reforma da Previdência é assustadora. Não tenho dúvida de que vai retirar direitos. Mas somente os nossos. O exemplo deveria vir de cima. Por que os governos nunca mexem com os juízes, com os parlamentares e com os militares?”, questionou.

Para Antônio Paulo Carvalho, 45, do Ministério da Fazenda, ainda há esperança de que a nova equipe econômica entenda que não pode usar a mesma fórmula que os mandatários do passado. “O período de transição é complicado. Mas quando o ministro (da Economia) Paulo Guedes tomar pé da situação, perceberá que o problema não está no Executivo. Quem ataca os cofres públicos não são os que mais trabalham”, afirmou.

Projeção

De acordo com o Ministério do Planejamento, até 2021, o quadro de servidores vai cair quase pela metade. Existem atualmente 633.902 funcionários civis ativos. Desse total, 107.567 recebem abono de permanência, ou seja, são aposentados que continuam trabalhando (a maioria nos ministérios da Saúde, Fazenda e no INSS). Além desses, 201.795 estão em condições de se aposentar nos próximos três anos (29.092 até maio de 2019; 32.550 até maio de 2020; e 32.586 até maio de 2021). Somando-se os 107.567 com abono aos 201.725 que poderão vestir o pijama, o quadro dos ativos cai 48,80%. Em 2021, serão apenas 324.540 ativos.
Sem detalhes sobre como o enxugamento da máquina se dará, especialistas temem queda na qualidade dos serviços à população. “Efetivamente não vai ser possível fazer atendimento de forma satisfatória com esse número reduzido de pessoas na administração federal”, afirma Emerson Casali, especialista em relações de trabalho. Diante desse quadro, Casali acredita que o novo governo encontrará um meio de sanar o dilema, “nem que seja na forma de incentivo para que as pessoas trabalhem por mais tempo”.

Como o foco da reestruturação é equilibrar as contas públicas, o diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, é não “distribuir maldades”. Para ele, o ajuste fiscal precisa centrar na extinção de privilégios. “Para os governistas, tudo deve ser aprovado; para os oposicionistas, tudo deve ser reprovado. O consenso é quase impossível. A discussão das reformas envolve a redução de privilégios e não é popular. No Brasil atual, privilégio é uma vantagem que os outros usufruem. Nos casos pessoais, são sempre direitos adquiridos”, ironiza. Castello Branco destaca que, sem o reequilíbrio das contas públicas, o país se tornará ingovernável e a administração pública entrará em colapso.

Na expectativa

Redução do número de ministérios e proposta de privatização de estatais deixam servidores em alerta sobre o futuro do serviço público

>> Estimativa para 2021
Há possibilidade de redução de 48,8% do quadro do Executivo

633.902
número atual de servidores ativos

107.567
recebem abono de permanência (ou seja são aposentados que continuam trabalhando)

201.795
estão em condições de se aposentar entre 2018 e 2021

324.540
número de servidores ativos em 2021 – caso essas condições se concretizem

>> Redução gradativa
Concursos não acompanharam o crescimento da população

1995 — No governo FHC, havia 1,1 milhão de servidores (ativos, aposentados, pensionistas) para uma população de 165 milhões de habitantes

2002 — Ainda na gestão FHC, houve redução de 200 mil cargos. O quadro caiu, então, para 900 mil servidores

2010 — No governo Lula, o Brasil retornou 1,1 milhão de servidores e a população saltou para 190 milhões

2014 — No de Dilma Roussef, a população brasileira era de 202 milhões de pessoas, 37 milhões a mais que em 1995, mas o número de servidores continuou igual

2015 — Havia previsão inicial, não concretizada, de mais 60 mil vagas serem preenchidas por concurso público
2016 — Com Michel Temer, os certames também foram cortados do Orçamento. A população brasileira ultrapassava os 207 milhões e a quantidade de servidores se mantinha em 1,1 milhão

2017 — O número total de servidores subiu para 1,270 milhão. A quantidade de habitantes chegou a 207,3 milhões

2018 — Houve crescimento populacional, para 208,4 milhões (0,82%), mas a expansão do número de servidores foi menor, de 0,47%, para 1,276 milhão

>>Principais ameaças aos servidores

. IN 2/2018 — Regulamenta a jornada de trabalho e do sistema de sobreaviso

MP 849/2018 — Adia reajustes para 2020

PLP 248/98 — Dispensa por insuficiência de desempenho

PLS 288/15 — Estabelece critérios de mérito no Regime Jurídico da União

PEC 400/14 — Remuneração variável com base no mérito em todos os níveis da administração

PLS 116/17 — Perda do cargo público por insuficiência de desempenho do servidor estável

PLS 710/11 e PLS 327/14 — Senado; e PL 4.497/01 — Câmara Regulamentação do direito de greve dos servidores

PEC 139/15 — Extinção do abono de permanência para o servidor público

PEC 287/16 — Reforma da Previdência

PEC 400/14 — Critérios para remuneração variável a servidor da União, Estados e municípios

PLS 280/17 — Fiscalização administrativa pelo setor privado

>> O que querem os servidores

. Cumprimento de todos os acordos assinados em 2015

. Reajuste de, no mínimo, 50% da contribuição da União para o plano de saúde dos servidores

. Política salarial permanente com correção das distorções e reposição das perdas inflacionárias

. Data-base em primeiro maio

. Direito irrestrito de greve e negociação coletiva no serviço público, com base na Convenção 151 da OIT

. Revogação da reforma trabalhista

. Revogação da proposta de reforma da Previdência

. Revogação da Emenda Constitucional nº 95/2016 e a Lei nº 156/2016

. Paridade salarial entre ativos, aposentados e pensionistas

. Condições de trabalho e financiamento

. Isonomia de todos os benefícios entre os poderes

. Isonomia salarial entre os poderes

. Incorporação de todas as gratificações produtivistas

. Fim da privatização no serviço público

. Liberação de dirigentes sindicais com ônus para o estado, sem prejuízo das promoções e progressões na carreira e demais direitos trabalhistas

Fontes: Ministério do Planejamento, Ipea, IBGE, entidades representativas de servidores federais, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) 

Fonte:Correio Braziliense

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